Friday, March 13, 2009

Esboço de uma viagem

Vigésimo andar, manhã de uma sexta-feira qualquer. Tempo nublado, por entre pequenos buracos nas nuvens é possível ver o céu azul lá em cima, e dessas frestas vem um calor gostoso. Mas predomina o vento frio. Poderia até chover. Um livro, cigarros, o celular - se fossem interromper minha ociosidade com trabalho - o aparelho de ginástica para os braços, a cadeira de sol...

Leio, leio, leio. Olho para o alto, as nuvens movem-se rapidamente. O vento. Nuvens gigantescas, em minha memória alguma associação com os velhos monstros do Ultraman. A mente vagueia. Dá medo, até. Prestar atenção lá em cima - sentir-se lá em cima - faz a gente lembrar de quanto tempo andamos aqui embaixo, geralmente olhando para baixo ou, no máximo, para os outros, e faz pensar - não cientificamente - nos mistérios e, quem sabe, nas respostas para tantas perguntas que podem - ou não - estar lá em cima, além de qualquer alcance.

Largo o livro no chão e detenho-me em apreciar o movimento das nuvens. O vento torna-se cada vez mais frio, rápido e forte. A idéia de algum sol é esquecida. As plantas nos vasos no solário ameaçam vergar. Minha camisa cai da mesa onde a tinha deixado. A cadeira onde estou recostado balança. Os chinelos começam a se mexer sozinhos, arrastados pelo vento.

Tentando ficar indiferente à natureza, pego novamente o livro e volto a ler. Meu calção enche-se de ar e novamente vem a sensação de que estou prestes a despegar do chão. Será possível? Mais de 80 kg... Sentindo-me ligeiramente desconfortável, sinto meu coração acelerar um pouco. É óbvio que essas coisas só acontecem quando se está sozinho.

Finalmente, rendo-me à situação. Sou levantado e arrastado pela ventania, à qual, por força da ignorância, já não sei mais do que chamar. Está frio. Em meio às nuvens escuras, já não diviso mais nada compreensível aos sentidos. O que acaba dando no mesmo, pq não consigo manter os olhos abertos.

Lembro-me então de uma passagem do livro que estava lendo: "Enquanto vivos, experimentamos apenas um hemisfério da vida." De certa forma, isso me conforta. Não há luz nem escuridão; não há calor nem frio. Não há respostas. Não há nada.

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