Monday, August 17, 2009

Sobre tradução, tradutores, interpretação, segmentação (parte 1)

Trabalho com prestação de serviços de traduções e versões TÉCNICAS. Ao contrário do que várias pessoas pensam, "versão" não é uma adaptação de um texto em outra língua para o português (muito por causa de músicas, que têm "versões" em português, que nada têm a ver com o original, a não ser pela melodia). Versão é passar um texto do seu idioma (no meu caso, português) para outro. Tradução, óbvio, é o contrário. Muitas pessoas, mas muitas mesmo, pensam, acham e dizem que qualquer um que saiba o idioma (pra ficar no mais usado, inglês), pode ser um tradutor.

Quero falar um pouco sobre meu trabalho, como cheguei ao ponto onde estou e sobre o mercado.


Na época em que a Cultura Inglesa (escola de inglês) prestava, fiz o curso completo. Professores de ALTÍSSIMA qualidade, havia a Cultura e mais duas ou três escolas. Depois, claro, com o advento de dezenas de outras "escolas" que ofereciam "cursos" MUITO mais em conta, com promessas completamente IRREAIS de ensinar inglês em pouquíssimo tempo, a Cultura (pra ficar na que eu fiz), é óbvio, teve que se adequar ao mercado. E o nivelamento foi por baixo, conseqüência natural da necessidade de reduzir custos.
Ao longo do caminho, prestei e consegui certificados de proficiência, tais como o de Cambridge e o de Oxford. Além do Toefl, mas este tem prazo de validade. Por falta de necessidade, prestei o Toefl por 2 anos, se não me falha a memória, depois não atualizei mais. Pois bem. Mesmo tendo feito um curso próximo do que eu classificaria de "espetacular", saí com uma série de problemas. Sabia muita coisa, mas não sabia o porquê. Não era capaz de redigir textos mais elaborados. Cansava-me ler livros originais em inglês (e eu adoro ler), não aqueles "para estudantes de inglês como segunda língua", que vêm adaptados e tals, os originalzões mesmo. Minha terminologia era boa, conhecia um número impressionante de vocábulos em inglês, mas faltava ainda muita coisa. Por um ano, fiz um curso de didática.

Também estudei sobre literatura inglêsa e norte-americana.
Dei aula por aproximadamente 5 anos, em 2 escolas diferentes. Melhorei muito, tinha que estudar para preparar as aulas, tinha que saber responder pq as coisas eram assim e não assado quando os alunos perguntassem. Meu nível cresceu significativamente nesssa época, já muito além do que era ao sair do curso da Cultura. Por esforço exclusivamente MEU, que fique claro, sem incentivo algum de nenhum de meus empregadores. Aliás, se havia algo, era "desincentivo". "Salários" de fome, um atendente de padaria ganhava mais do que eu (sem desmerecer a profissão de atendente de padaria, que, aliás, envolve em muitos casos até PSICOLOGIA, rs, mas para explicitar os requisitos que cada profissão exigia e a necessidade de uma diferenciação de salários). Assistia filmes sem legendas, pausava mil vezes, depois comparava o que eu tinha captado ao que tinha sido usado na legenda, ouvia mil e uma músicas mil e uma vezes, depois ia checar a letra traduzida, procurei acostumar meu ouvido aos mais diversos sotaques e, assim, entendê-los. A oportunidade surgiu, viajei para os Estados Unidos. Sou grato por essa oportunidade ter surgido, penso que sem ao menos VISITAR o país do idioma que vc estudou, não tendo outro contato mais próximo - como, por exemplo, pais nativos ou coisa parecida, por mais que vc estude, fica sempre faltando a cereja do bolo. Isso é o que eu penso. Para meus propósitos relacionados ao idioma, a estadia em Nova York foi a mais proveitosa.

Voltei e trabalhei durante um tempo com legendagem de filmes, em uma produtora. Foi excelente, por várias razões. Como os filmes vinham para nós já com a marcação de tempo inserida, pude entender melhor a dificuldade desses profissionais em condensar, às vezes dentro de dois segundos onde o cidadão mexe a boca e pronuncia palavras em inglês, o DOBRO do tamanho do texto naturalmente traduzido para português. Fica longe do ideal, muita coisa se perde, mas a gente tem como missão chegar o mais próximo possível da transmissão mais completa da idéia original dentro das limitações de tempo, isto é, para que a legenda não continue na tela (até porque não dá, não é possível, encavalaria tudo) depois que o ator já parou de mexer os lábios. Nunca trabalhei com dublagem, mas imagino que algumas das dificuldades sejam comuns às da legendagem. Muitos filmes - a maioria - vinham sem roteiro. Dá-lhe pausar e despausar o videocassete mil e uma vezes. Não havia - ou ainda não tinham sido implementados - computadores dedicados a isso e muito menos a INTERNET, uma REVOLUÇÃO, em todos os sentidos.

Apesar das dificuldades que citei do processo de legendagem, isso não desculpa certos erros absurdos de tradução; a propósito, ficou um clássico na minha memória: No filme "Harley Davidson & the Marlboro Man", com Mickey Rourke e Don Johnson, em certo momento, os personagens estão reunidos em um bar, planejando um assalto para arrumar dinheiro pro dono do bar renovar o aluguel, etc. Um deles, explicando porque não poderia participar da empreitada, diz que está casado agora, pretende constituir família e não pode se arriscar a passar o resto da vida "behind bars". Como a cena se passava dentro de um BAR, o cidadão que traduziu não teve dúvidas e colocou na legenda "Não posso passar o resto da minha vida em BARES". Ora, todos sabem que "behind bars" é "atrás das grades". Quando muito, se houvesse necessidade de economia de texto, "PRESO". Pois é.

O curso natural das coisas me fez optar por prestar, entre outros, o vestibular para LETRAS, com especialização em tradução e interpretação, na antiga Faculdade Ibero-Americana, hoje UNIBERO. Por uma série de razões e um conjunto de decisões (que não cabe aqui comentar se hj acho certas ou erradas), não segui PUBLICIDADE E PROPAGANDA na ESPM, onde entrei duas vezes, uma em 22o. lugar e outra em 36o., nem ADMINISTRAÇÃO no Mackenzie ou em Mogi ou na FMU ou Publicidade na USP, etc, etc, etc... O curso foi uma completa DECEPÇÃO. Costumo dizer, para quem me pergunta, que o que realmente APRENDI lá, ou seja, o que NÃO SABIA antes de entrar lá, poderia ter sido condensado, dentro dos QUATRO anos que lá fiquei, em quatro MESES. O vestibular foi uma baba. Não pq eu fosse um gênio, mas sim pq era uma baba pra qualquer um mesmo. Uma vez lá dentro, vc vem a entender o pq: captação de alunos. Mais alunos são aprovados = mais mensalidades a faculdade recebe. Coisas do capitalismo + país de 5o. mundo.

Tive (alguns) professores maravilhosos. Aliás, os mais odiados eram os melhores. Não era fácil ser professor da Ibero naquela época. Pq?

Simples. Presupõe-se que quando o cidadão se aventura a entrar num curso de TRADUÇÃO e INTERPRETAÇÃO, ele, o cidadão, como PRÉ-REQUISITO indispensável, DOMINE O IDIOMA. Afinal, o curso não é para ENSINAR o idioma. É para ensinar (ou um incauto esperaria que assim fosse) TÉCNICAS de trad&int., dicas para o MERCADO DE TRABALHO e coisas afins. Nos dois primeiros anos, se não me falha a memória, NEM LABORATÓRIO de intepretação tínhamos.

Mas isso acabou sendo o de menos, em vista de outras aberrações. Pelo menos no primeiro ano INTEIRO, os coitados dos bons professores eram obrigados a, ao invés de seguirem o conteúdo programático, ficarem repassando (repassando para ser legal, era ensinando pela primeira vez mesmo), conceitos BÁSICOS de primeiros estágios, como, por exemplo, as DIFICÍLIMAS conjugações do COMPLEXO verbo "to be".

Já ficou grande demais esse post e n contei metade da história. Se alguém reparar na não adequação às novas regras de ortografia, parabéns. Como disse em outro post, não gosto de mudanças e por este texto não vou receber nada, então fica como está.

Falando em "to be", esse texto fica "to be cont'd". Aí entrarei nos assuntos principais que queria discorrer sobre, os que coloquei no título, para uma noção sobre o que REALMENTE é um trabalho como o meu e o que ele implica. Dicionários, glossários, mecanismos (ferramentas ) d e
busca, bom-senso, prazos, o que é uma lauda, tradutores automáticos, ferramentas de tradução, localization, mercado de trabalho, etc.

Havia separado este link de um artigo que fala sobre tradutores automáticos, fica ele aí pra dar uma visão geral, embora quando se trata de traduções (e versões) técnicas o buraco seja ainda muito mais embaixo.

Falarei sobre isso.


Até a parte 2.

1 comment:

Isadora said...

Ultimamente tenho morrido de inveja de vcs pessoas que trabalham em casa...
Mas enfim, sabe que tenho feito revisão de uns artigos técnicos de veterinária vertidos (é essa a palavra?) para o inglês e tenho ficado horrorizada com a cara de pau de certas pessoas que cobram caro para escrever uma sucessão de batatadas, gente que não tem a menor ideia de conceitos BÁSICOS da língua... Cobram uma fortuna e aí os vets não conseguem publicar os artigos em revistas estrangeiras porque o inglês está macarrônico! Eu sou uma otária, poderia estar ganhando tanto dinheiro...
E sabe que uma vez eu vi um filme - infelizmente não me lembro qual - em que os atores brindavam e falavam "a toast" e na legenda vinha escrito: "uma torrada". Juro! Bjs